Palestra proferida por Antonio Carlos Jorge em 06 de julho de 2007 na Loja Liberdade (Sociedade Teosófica no Brasil)
O tema que iremos abordar talvez nunca tenha despertado tanto interesse como atualmente. O recente sucesso editorial do livro “O Código Da Vinci” de Dan Brown, instigou o imaginário, através de uma narrativa que envolve todos esses assuntos ligados à vida de Cristo, questionando e apresentando conjecturas e teses, algumas verossímeis e outras tantas, a meu ver, sem muita fundamentação, como é o caso da menção sobre a obra de Leonardo Da Vinci, “A Última Ceia”.
Antes de falarmos sobre o significado da obra de Leonardo, vamos abordar rapidamente alguns aspectos da sua vida para entendermos o contexto em que toda sua obra se desenvolveu.
Leonardo nasceu em abril de 1.452, em Vinci, uma vila próxima à Florença, filho de Piero da Vinci, um notário, e de uma serva. Leonardo era filho ilegítimo, não tendo direitos aos bens de seu pai. Mas seu pai, zeloso, não o abandonou, tendo assumido a sua criação. Devemos lembrar que Leonardo nasce ainda na idade média.
O final da idade média é determinado pela queda de Constantinopla, em maio de 1.453. Naturalmente a mudança de um período para outro não se dá através de um único evento, mas sim é um processo de transição que envolve vários acontecimentos.
Com o fim da idade média temos o renascimento, com o ressurgimento da valorização do homem como figura de relevância em todos os contextos. Inicia-se o Humanismo, movimento que revolucionou o pensamento, dando origem a novas concepções e visões de mundo. Essa nova concepção é precursora da especialização do conhecimento, dando origem mais tarde, à sistematização do saber humano, com o cientificismo e segregação de um conhecimento que até então era unificado.
Leonardo está mais para um homem da idade média do que alinhado às novas tendências renascentistas, pois não restringia um conhecimento específico como os demais gênios seus contemporâneos. Ele reunia um vasto conhecimento. Não foi só pintor. Foi escultor, músico, arquiteto, engenheiro, inventor, anatomista e também astrólogo, apesar de sua biografia nada mencionar quanto a esse universo de conhecimentos ocultos. Enfim ele tinha um conhecimento universalista, muito mais próximo de um sábio medieval do que um renascentista. Em todas as áreas em que atuou deixou a marca de sua genialidade.
Ao completar 14 anos, o pai de Leonardo o matriculou como aprendiz na oficina de artes de Verrocchio que era um grande mestre de Florença. As oficinas de artes não se ocupavam somente de obras artísticas, como esculturas e pinturas, mas também de construções de edifícios, pontes e obras de engenharia, metalurgia, máquinas de guerra, enfim, tudo que exigia a criatividade do homem a fabricação de algum tipo de artefato.
Leonardo logo se destacou em todas essas artes, tendo participado da confecção de uma pintura de Verrocchio, encomendada por Lorenzo Médici, governante de Florença. Ele fez a pintura de um rosto de anjo num quadro e pela delicadeza dos traços e jogo de luz, chamou a atenção da família Médici, que passou a protegê-lo. Nessa época, o sucesso dependia não do talento, mas principalmente da figura de um protetor, de um mecenas.
A península itálica, nessa época, era uma região de muitas disputas, não havendo a identidade de um país, que consolidou somente na segunda metade do século XIX com Garibaldi. Existiam as cidades-estado, que viviam em contendas. Guerras eram sistematicamente travadas, com o objetivo de sedimentar o poder do clero. Neste contexto, foi deflagrada uma guerra contra Florença, fomentada pelo Vaticano, pois havia muitos interesses de composição política e de domínio da hegemonia e supremacia econômica.
Leonardo, diante desta situação, depois de servir a outros poderosos, como o Borgia, por exemplo, acaba se transferindo para Milão, tendo se colocado à disposição do Duque Ludovico Sforza. Só para termos uma idéia dos talentos de Leonardo, ele apresenta o seu currículo como sendo principalmente Engenheiro Militar, como ele gostava de ser reconhecido, Arquiteto, Construtor de Armas, inventor, músico e ao final da lista de suas qualificações está a de pintor e é justamente por esta sua habilidade é que o Duque o contrata. Ludovico passou a ser o novo protetor de Leonardo.
Entre as diversas obras que Leonardo realiza sob encomenda de Ludovico está a “Última Ceia”. A obra deveria decorar o refeitório do Convento de Santa Maria delle Grazie. A obra iniciou no ano de 1495 e foi concluída em 1.497. Levou quase quatro anos. Na realidade ela não foi concluída. Aliás, nenhuma obra de Leonardo, exceto a de São João e o Menino Jesus foi concluída. Foram vários os processos movidos contra Leonardo, pois ele não cumpria os contratos. Isso era um traço do gênio. Leonardo falava que a criação é divina, a execução servil!
A “Última Ceia” foi pintada numa das paredes do salão e Leonardo desenvolveu uma técnica nova. Costuma-se dizer que se trata de um afresco, mas na realidade um afresco é uma pintura realizada sobre uma camada de gesso recém aplicada, ainda úmida. É uma técnica que não permite erro e retoques posteriores e Leonardo era antes de tudo um perfeccionista. Ele queria uma técnica que pudesse abreviar a secagem da tinta.
A “Última Ceia” foi pintada numa das paredes do salão e Leonardo desenvolveu uma técnica nova. Costuma-se dizer que se trata de um afresco, mas na realidade um afresco é uma pintura realizada sobre uma camada de gesso recém aplicada, ainda úmida. É uma técnica que não permite erro e retoques posteriores e Leonardo era antes de tudo um perfeccionista. Ele queria uma técnica que pudesse abreviar a secagem da tinta.
Não que ele não fosse perito. Ele não cometia erros, mas queria o retardamento da secagem para executar a obra com a maior perfeição imaginada.
Então ele desenvolveu determinadas tintas e pigmentos que se demonstraram pouco eficazes no que se refere à sua conservação. O “afresco” tem sido constantemente atacado pela ação de fungos que o decompõe, exigindo uma manutenção e restauração constantes.
O desrespeito para com a arte não é um fato que ocorre somente em nossos dias. Observem que, por necessidade de se criar uma passagem para um cômodo contíguo, foi aberta e depois fechada uma porta justamente sobre a pintura, destruindo para sempre uma parte da base. Fato semelhante ocorreu com “Mona Lisa”, que é uma pintura feita sobre painel de madeira, que teve as partes laterais serradas.
Passemos então a analisar o quadro apresentado.
Vemos que a figura de Cristo é colocada exatamente ao centro e se traçarmos duas linhas perpendiculares, projetando o ponto de fuga, teremos esse ponto de convergência exatamente sobre o olho direito de Cristo.
Desta forma temos o quadro, com Cristo na posição central e os apóstolos distribuídos nos dois lados. Ao redor de Cristo, forma-se um círculo que passa pelo arco da porta ao fundo, desenhando-se um triângulo, com o vértice para cima e outro com o vértice para baixo.
No livro “O Código da Vinci”, Dan Brown fala desses símbolos de uma forma primária, relacionando-os aos princípios masculino, personificado pela figura de Cristo, e o feminino, formado entre Ele e João que está ao seu lado direito.
Como as feições de João são femininas ele logo associa à figura de Maria Madalena, que teria sido sua esposa e mãe de sua filha Sara, dando origem à dinastia dos Merovíngios, primeiros reis francos (?). Inclusive ele argumenta que Jesus por ser um Rabi, não poderia ser solteiro, teria que necessariamente ser casado. Isso é uma verdade entre os Fariseus, porém se considerarmos Jesus como Essênio isso não seria uma verdade, pois os essênios faziam votos de castidade além de pobreza, e como se acredita que Jesus tenha sido essênio (Ver estudos sobre essênios nos pergaminhos do Mar Morto), naturalmente ele não poderia ser casado. Mas isso não interesse à narrativa de Dan Brown, pois inviabilizaria o seu próprio livro. Dan Brown é pesquisador e eu acredito que este conhecimento não foge ao seu estudo, mas também acredito que isso não lhe interessa, pois contraria o seu interesse comercial, pois não vende.
Este simbolismo representado com os dois triângulos, com vértices opostos é na realidade muito profundo, estando presente em diferentes tradições, tanto como a védica e a hebraica, que apresenta os dois triângulos entrelaçados, formando a estrela de seis pontas. A estrela de seis pontas, embora seja conhecida como estrela de Davi ou selo de Salomão, está presente nos vedas há cinco mil anos. Este símbolo encerra princípios herméticos, como o da correspondência, ao da polaridade, assim como ao gênero e isso não pode ser reduzido simplesmente a uma alusão fálica.
Não estamos a desmerecer o trabalho de Dan Brown e reconhecemos que nunca se falou tanto sobre esses assuntos e nunca estas obras foram tão visitadas como hoje e isso por si já tem a sua importância, mas temos que colocar as coisas nos seus devidos lugares.
Podemos relacionar o triângulo com vértice para cima (tríade superior = Espírito), contendo os princípios Vontade, Sabedoria e Mente (Consciência). O triângulo com o vértice para baixo relaciona-se com a matéria (Inconsciência). Desta forma os dois triângulos quando sobrepostos resulta na manifestação da vida.
É a projeção do espírito na matéria, como também podemos ver na pintura de Narciso (abaixo à direita), de Caravaggio, onde ele se apaixona pela sua própria imagem refletida no espelho d’água, passando a negar a sua origem divina e se perdendo nas teias da ilusão do mundo das coisas, o qual é transitório, local e temporal. O Mundo das coisas é constituído pelos quatro elementos da natureza (Fogo, Ar, Água e Terra).
A combinação dos três atributos superiores, matematicamente, gera os quatro elementos materiais.
Vejamos. Pela análise combinatória os elementos primários, ou seja, “A”, “B” e “C”, produzem os quatro elementos, onde “A” se associa com “B”, “A” se associa com “C”, “B” se associa com “C”, “A” se associa com “B” e com “C”.
Temos, então, quatro elementos secundários. Podemos também fazer uma analogia com as cores primárias, que são a azul, a amarela e a vermelha, que combinadas entre si formam as quatro cores secundárias, constituindo a estrutura setenária da manifestação (sete cores do prisma, sete notas musicais, sete dias da semana, sete pecados capitais, etc.).
Assim o ternário superior gera o quaternário inferior, com a combinação do três com o quatro, resultando no o doze, que traduzem os diferentes tipos básicos de energias, ou seja, os doze arquétipos humanos.
Os números três, quatro, sete e doze são números sagrados, pois resumem a constituição do universo.
A pirâmide, por exemplo, é um símbolo esplêndido, pois é o ternário assentado sobre uma base quaternária, (I e II).
Se observarmos a pirâmide sob o seu ápice veremos a divisão e quatro parte iguais (III) e se essas partes forem abertas (IV) produzirão 12 ângulos (Análise combinatória de 3 com 4).
Isso resulta na cruz de malta, ou cruz templária (V), onde no centro é posicionado o olho de Deus, que a tudo vê (Onisciência), justamente o olho direito do Cristo, que é o ponto de fuga central na pintura de Leonardo (ternário sobre o quaternário).
Na astrologia são três os tipos primários (Advém da Causa Primária que é o Absoluto = Universais) e quatro os secundários. Os primários ditam o comportamento e os quatro o temperamento. O comportamento é determinado pelo modo de expressão (Cardinal, ou aquele que inicia uma ação; Fixo, aquele que estabiliza a ação; Mutável, aquele que altera a ação), relacionando-se com às gunas da tradição védica: Rajas, Tamas e Sattwa, que compõem a matéria.
Podemos representar estas correlações através do diagrama a seguir apresentado, onde os arquétipos são formados, considerando a manifestação cinética e estática da matéria e sua modulação com as três formas de comportamento, produzindo os doze tipos básicos de expressos dos temperamentos, conforme o diagrama:
Falamos das qualificações de Leonardo que entre elas ele detinha o conhecimento astrológico e é justamente este conhecimento que está a ser revelado em sua obra. Ele tinha profundo conhecimento dos arquétipos, detalhando suas características, demonstrando perfeitamente o zodíaco, com os doze signos, tendo o Sol (Cristo) como o centro dos acontecimentos e da criação, o que torna mais evidente se observarmos que os apóstolos foram dispostos em quatro grupos de três.
Temos, assim, os quatro grupos, associando-os às quatro estações do ano com um apóstolo para cada signo.
Outra forma de demonstrarmos é dispormos da figura numa visão tridimensional, tendo a figura de Cristo ao
Na roda zodiacal, temos os signos distribuídos formando eixos, onde um signo tem suas características virtuosas, sendo que as dificuldades são vividas no signo colocado em oposição, o que nos remete ao princípio da polaridade, onde se afirma que tudo tem dois pólos, sendo os mesmos de natureza similar, variando, porém o grau e que essas polaridades podem ser reconciliáveis (O Caibalion – Hermes Trismegistos).
Para se vencer as dificuldades, representadas pela sombra, há de se que buscar as virtudes, que é a luz, localizada em sua oposição. Na realidade o que deve determinar entre os dois polos é a busca pelo equilíbrio, ou seja, o ponto central que é a figura de Cristo, a viver o caminho da temperança, o caminho do meio. A Consciência.
Associando aos diferentes discípulos (nomeados pelo próprio Leonardo), temos a representação na figura abaixo:
Associando aos diferentes discípulos (nomeados pelo próprio Leonardo), temos a representação na figura abaixo:
Jesus abre sua mão esquerda, voltada para cima, como estivesse a alimentar àqueles colocados a sua esquerda. São as estações de primavera e verão, onde ocorrem o nascimento e o crescimento e sua mão direita, voltada para baixo, num ato de absorção das energias e experiências acumuladas pelas estações de outono e inverno, relacionadas com a maturidade e morte. Isso demonstra o ciclo zodiacal de nascimento e morte. Nota-se que mesma correlação é feita na medida em que a luz é projetada à esquerda de cristo e a sombra à direita. A mesma dualidade polar também é representada no manto de Jesus que delimita os dois hemisférios.
À cabeceira da mesa, ao extremo lado esquerdo de Cristo, temos a figura de Simão, representando Áries. Leonardo representa na ordem da esquerda para a direita, pois os signos, como vistos da Terra, “movimentam-se” em sentido anti-horário.
Áries, o signo que abre o Zodíaco, tem por características o pioneirismo, a liderança, a iniciativa, e é exatamente este o papel demonstrado por Simão, ao se sentar na cabeceira da mesa. Áries rege a cabeça e a cabeça de Simão é apresentada de forma proeminente. A posição de Simão é de ascendência sobre os demais. Mas não só é a posição ocupada por Simão que denota esse papel ariano, mas sim o que a temática sugere, pois tudo decorre de algo falado por Simão, pois os demais apóstolos estão a comentar, a argumentar e a observar o próprio Simão, ao que foi dito.
Se Áries está relacionado ao eu, à personalidade, Libra corresponde ao outro, ao relacionamento, à satisfação da necessidade do parceiro.
É ideal de o libriano viver o relacionamento em clima de paz, beleza, equilíbrio e harmonia. A figura de João, diametralmente oposta à de Simão, recebe e absorve todo o impacto daquilo que foi falado, fazendo com que assuma uma postura de submissão e recolhimento. As mãos de João estão colocadas em posição de reconciliação. A figura tem realmente semblante feminino, pois Libra, pelos seus valores, ao buscar a harmonia está associado à condição receptiva. O manto também remete ao equilíbrio, na medida em que se divide em duas cores. Libra é regida por Vênus e Áries por Marte. Este é o eixo da individualidade, tendo Áries representando a personificação do ego psicológico e Libra o outro com quem o ego se relaciona.
Em seguida temos Judas Tadeu relacionado ao signo de Touro. Touro é caracterizado pelos valores pessoais, posses, ao ter e dentro disso ele tem a necessidade de desenvolver uma estrutura sólida, ter apoio e se notarmos no quadro, veremos que é o único apóstolo a se apoiar à mesa, a colocar o braço esquerdo usando a mesa como anteparo. O porte do taurino é sólido, robusto. Touro rege o pescoço e garganta e isso é bastante evidenciado na pintura. A atitude de Judas Tadeu é de ponderação. Argumenta e aceita.
Este é o eixo dos valores e do poder, tendo Touro de um lado e Escorpião do outro.
Escorpião é representado por Judas Iscariotes. Escorpião relaciona-se com os valores do outro, aos valores coletivos, função assumida por Judas, pois era tesoureiro do grupo. Escorpião é o signo das profundezas, da transformação, da regeneração ou da morte. Regido por Plutão, ou Hades, corresponde a tudo que é profundo e transformador. O papel de Judas Iscariotes, tão mal interpretado pelas tradições cristãs, foi fundamental para o desfecho trágico do drama que é a paixão e a ressurreição. Judas Iscariotes de certa forma foi o mais leal dos apóstolos, pois foi ele quem fez cumprir as escrituras. Ele assumiu a missão mais penosa do grupo cumprindo a ordem de denunciar ao sinédrio seguindo a própria ordem de Jesus, quando lhe disse “Judas, com um beijo você trai o filho do homem” (Lucas 22:48).
Na realidade Escorpião é o motor do Zodíaco, pois é ele quem determina os processos de transformação necessários à evolução da vida. Judas Iscariotes na pintura é apresentado como um expectador, a observar ao desenrolar da trama, a analisar os rumos dos acontecimentos, características próprias de Escorpião. Analisa profundamente, traça as estratégias e desfere a ação precisa no momento certo.
A seguir temos Mateus, relacionado ao signo de Gêmeos, cujo regente é Mercúrio. Gêmeos está relacionado a todo processo mental e de comunicação. Ao mental concreto, ao processo de acúmulo de conhecimento cognitivo e aplicado à realidade material. Os geminianos são esbeltos e ágeis, joviais, de olhar curioso e por considerar todas as variáveis possíveis diante das situações, podem ser considerados, às vezes, contraditórios, instáveis, volúveis. Mateus demonstra algumas destas características. Ele está a comunicar com Simão, olhando-o, mas argumentando com as mãos e braços como se tivesse considerando todos os aspectos diante do que foi dito. Pode aparentar também uma ambigüidade entre o que foi colocado e o que o grupo pensa. Como Gêmeos está relacionado à comunicação e à fala, relaciona-se anatomicamente com os ombros, braços e mãos e é isso que notamos também na figura de Mateus, que também é considerado o repórter de Cristo, como Mercúrio (Hermes) o mensageiro de Júpiter (Zeus).
Aqui temos o eixo do conhecimento e sabedoria. Opondo-se a Mateus temos Pedro, representando o Sagitário que é o signo relacionado com a religião.
Sagitário rege os assuntos superiores, o conhecimento abstrato e se lança espontaneamente rumo ao desconhecido, sendo às vezes abrutalhado, podendo se expressar com excesso da franqueza. Isso corresponde ao espírito de Pedro, aquele que fundou a Igreja, ou a religião cristã, juntamente com Paulo (Saulo de Tarso).
A fé quando levada às últimas conseqüências pode ser cega e em sua defesa tudo pode ser permitido. A mão de Pedro está a segurar uma faca como defesa de seus próprios ideais, não em atitude ameaçadora a João, com alguns querem crer, inclusive argumentado por Dan Brown. Sagitário, o centauro, empunha o arco com a flecha a ser arremessada. Sagitário rege anatomicamente também os quadris e isso está evidente na pintura, na medida em que a mão direita nela se apóia. A disposição do corpo de Pedro lembra o desenho do símbolo do signo de Sagitário.
Na seqüência temos Felipe, relacionado a Câncer.
Aqui chegamos ao fundo do Zodíaco, ou fundo do Céu. Ponto axial do inconsciente correspondendo a toda manifestação devocional, ao sentimento materno, às origens e tradições. Relaciona-se ao lar e à família e Felipe personifica esse arquétipo.
Com semblante nitidamente feminino, Felipe leva as suas duas mãos ao peito, como se estivesse chamando todos como filhos a se reconciliarem. Aliás, Câncer rege justamente os seios, estômago e útero. As mãos com os braços formam também uma figura que lembra as garras do caranguejo que é o próprio Câncer.
Este é o eixo do tempo, com o passado e o destino. Como passado, temos a relação com Câncer, à mãe, e o futuro, relacionado a Capricórnio, ao pai. Então, Capricórnio rege o destino, ou seja, aquilo que procuramos como carreira, como objetivo de vida e o papel social que buscamos e como desejamos reconhecimento. Diz respeito também à autoridade.
Temos então, André como Capricórnio, numa atitude nitidamente capricorniana. Capricórnio é cauteloso e prático, podendo vir a ser frio e pessimista. Enquanto Felipe diz “venham a mim”, André parece dizer “afaste de mim”, pois para assumir as responsabilidades há de calcular e planejar o que deve ser realizado.
Capricórnio corresponde anatomicamente a toda constituição óssea, joelhos, pele. Na pintura André é o único que apresenta as mãos com os dedos esqueléticos, transparecendo a estrutura óssea.
Ao lado de Felipe temos Tiago menor, correlacionado ao Leão. Leão é o soberano. Carismático, altivo, criativo, dramático, busca o reconhecimento através da exibição. É regido pelo Sol e irradia sua luz.
Leão rege o coração que é análogo ao Sol corporal. Essas características de Leão estão claramente transpostas ao Tiago menor. Seguramente ele é a figura cênica mais bela do quadro e ao assumir a postura de braços abertos, expondo-se à luz, colocando-se ao lado do próprio Cristo. Demonstra o peito aberto, o coração da generosidade, um comportamento tipicamente leonino, que às vezes chega a ser ingênuo e centrado na vaidade e no egocentrismo.
Este é o eixo do poder da criação. Se Leão é a manutenção da criação, Aquário é mudança, renovação e também criação. Leão rege o poder do rei, do monarca. Aquários o poder do coletivo, do grupo, da sociedade. Neste eixo é que ocorrem as contendas pela disputa de poder.
Aquário, com o regente Urano, promove toda sorte de mudanças abruptas, significando sempre drásticas mudanças. Muitas vezes, em nome da inovação se revoluciona e se destitui o monarca para o estabelecimento de um novo regime, para em seguida, se tornar um modelo muito parecido com o anterior. É o que se observa com as revoluções aquarianas, como a Revolução Francesa, com a deposição de Luis XVI e posteriormente Napoleão coroado como imperador (Leão) e mais próximo de nosso tempo, a Revolução Cubana, com a deposição de Ditador Fulgencio Batista e Fidel governando como Rei-Ditador.
Aquário está associado, desta forma, às ações de libertárias, à rebeldia, ao radicalismo, pois é comprometido com valores humanos, aos valores progressistas e à impessoalidade.
Analisando a figura de Tiago Maior, vemos que ele não aparece em primeiro plano. Ele não se expõe isoladamente, mas sim através do grupo, através da diplomacia e vejam: Aquário é o signo da amizade e temos então Tiago abraçando André e Pedro, demonstrando que a força vem do grupo e não da atitude individual.
Finalmente, temos Tomé, representando Virgem.
O signo de Virgem relaciona-se à praticidade, à análise e à crítica. É regido também por Mercúrio, mas aqui o mental está voltado mais às questões de se dar uma aplicação utilitária e prática a todas as coisas e é por este motivo que o virginiano questiona, detalha e discrimina. O virginiano tem necessidade extrema de se sentir útil e de prestar o seu serviço, mas para isso ele necessita compreender a causa das coisas. Dentro destas características temos a figura de Tomé, mesmo porque Tomé necessita de ver para crer.
Tomé no seu ato de questionador questiona até o próprio Cristo, na medida em que coloca o seu dedo indicador direito à frente de Jesus. Como o virginiano tende à timidez e humildade, Tomé é colocado também em uma posição afastada da mesa.
Este é o eixo do servir, tendo Virgem correspondendo ao servir pragmático e Peixes, ao servir humanista, às vezes não muito claro e perceptível, o que pode levar o pisciano a viver em estado de irrealidade.
Peixes está associado ao ser sonhador, à inspiração e compreensão. São compassivos, emotivos, intuitivos e românticos, mas, por esse estado de contemplação, se não bem canalizado, pode levar a atitudes evasivas, fantasiosas, a ter dificuldades em perceber a realidade.
Bartolomeu é o apóstolo que fecha o círculo zodiacal ao se posicionar do outro lado da mesa. Ele demonstra claramente as características piscianas. Parece que sua visão está direcionada a um ponto que extrapola ao ambiente retratado, a um ponto difuso, podendo não perceber exatamente o que está se passando. Não fala, só observa, contempla e aceita. Peixes rege os pés é justamente seus pés, entrelaçados, que estão iluminados sob a mesa. Peixes tem a grande potencialidade intuitiva, mas necessita conhecer como pode transformar a sua natureza, o seu sentimento de servir a humanidade de forma mais prática e construtiva.
Assim, chegamos ao ciclo completo do Zodíaco, parecendo inequívoco que a mensagem exposta nesta pintura, assim como nas demais obras do Gênio, é de transmitir muito mais do que aparentemente possa sugerir.
O verdadeiro conhecimento foi revestido de forma cifrada por necessidade de preservá-lo, protegendo-o da incompreensão daqueles que julgavam detentores da verdade. O que está oculto, velado, não significa que não está para ser visto. Somente é revelado àqueles com olhos para ver. Leonardo nos lega que a genuína sabedoria arcana foi, é e continuará sendo a que norteia a humanidade rumo à iluminação por meio da consciência.
A astrologia, pela abordagem psicológica, é um processo que permite a nos analisarmos, compreendendo os paradoxos, os nossos conflitos, a nossa sombra, nossas projeções, e talvez, por meio do autoconhecimento, fazermos a reintegração dos conteúdos pela conscientização, para que possamos promover o processo de transformarmos em verdadeiros humanos, melhores e integrados com o sagrado.
O vir a ser humano é um processo de transformação em Ser Humano. O caminho continua a ser trilhado.
A astrologia deve ser entendida sob esta concepção, demonstrando o esplendor da diversidade e faz com que nós possamos ser antes de tudo ser tolerantes e compassivos, a compreender a natureza das diferenças e a aceitá-las como manifestação da mesma fonte da vida.
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